domingo, 1 de novembro de 2009

Fases




Fases
Águida Hettwer


A criança que vive em mim, faz manha para não querer dormir. Ainda é cedo para a realidade. Mesmo sentando-me alinhada, vestida a rigor de colégio de freiras, compenetrada nas lições. Prefiro a interrogação a o ponto final. De água benta, banhava a fronte em respeito à tradição. Talvez quisesse quebrar as regras, sem ter noção.


O peso da xícara de chá faz-me dosar o afeto contido, nas histórias que ouvia na companhia das minhas ilusões. Entre as lascas de lenha queimando ainda restaram fagulhas de emoções. Acima do rústico fogão, varais estendidos de lembranças. Nas arestas do tempo, o pensamento desenhava as linhas no papel.


Bordando vozes e cenas, vou contando casas, nos quadrados de cânhamo das minhas inquietações. Quisera no pátio da infância pisar fora da calçada, sem que a mãe ralhasse, por tanta proteção. Permitindo-me esfolar o joelho, caindo de bicicleta até aprender. Dando asas ao sonho, sem medo de sofrer.


Mesmo com tanto reparo, não me converti às tragadas do cigarro, foi apenas curiosidade que dá e passa. Lembro-me, com riso no canto dos lábios, juntava a mesada, para comprar camiseta de “Metaleiro”. Hoje nem de brinde no um e noventa e nove, não usaria. São as fases da vida!


Contando até dez, brinco de esconde-esconde com as letras. Faço careta para o mau-humor, desafio a monotonia, rezando um terço pela vida. Aprecio o silêncio demorado da memória, onde minhas doces lembranças não envelhecem no porta-retrato do tempo.


30.06.2009

Prisma




Prisma
Águida Hettwer


O amor debocha com a vergonha, faz passeata, pinta a cara, exige direitos autorais nos livros da consciência. O papel pensa em voz alta, solta os fantasmas que estavam presos. É a isca e o anzol da relação. Não se faz de rogado, permite-se a ultrapassar as barreiras.

Uma vida a dois, são duas vidas unidas em laços, mas nem por isso perdemos os gostos e os paladares. Cada um possui a sua identidade e digital, no código de barras da existência. Apreciamos cores de diferentes matizes, torcemos por times opostos, um gosta de doces, o outro tem apreço pelo salgado. Uns acreditam que a vida começa aos quarenta anos, outros morrem no casamento.

Fazem de escudo os próprios filhos, deixam de concretizar sonhos, por eles e por causa própria deles. Assinam o testamente antes da hora, e doa-se a usufruto. Reprimem-se, ao serem elogiados, as vogais e consoantes lhes são estranhas, pois são acostumados ao descaso. Em prol da felicidade alheia, esquecem da sua.

A vida passa lenta e em fila indiana, mas quando se percebeu os passos não tem o mesmo vigor de outrora, no entanto a caminhada continua. No lar, muitas vezes os herdeiros já se foram, cada um cuidar dos seus afazeres. Restaram apenas às confissões das paredes, o canto da mesa riscado, o abajur quebrado. E a solidão interior permanece mesmo nos almoços de domingos.

Despedimo-nos da vida, ao deixar que os desejos reprimem-se nas gavetas, confinados ao medo. Quando se gosta de alguém, em prismas paralelos, o incentivo vem antes da aprovação, há zelo na ponta dos dedos, doçura na saliva, mansidão no palavrear. Quando se ama, espelha-se um no outro, sem alterar a legenda que cada um carrega no olhar.


04.07.2009

Abrigo-me






Abrigo-me
Águida Hettwer


No frio da ausência,
O papel sem palavras,
Emudece empalidecido
Chora em busca de Ti.

Onde pousa teu olhar,
Diga-me!...Onde?
Vejo-te em todas as asas,
Cruzando os céus.

Visto-me de poesia,
Passeio em teus jardins,
Sorvo-te até o pólen,
Sirvo-me do teu mel.

Desfaleço e revivo,
Em tuas mãos
Artesãs de afeto,
Abrigo-me...


07.07.2009

Para fazer alguém feliz...




Para fazer alguém feliz...
Águida Hettwer

Não precisa muito aparato, nem pagar promessas, ou fazer mágica tirando da cartola um mundo de ilusões. A felicidade na maioria das vezes, escora em nosso ombro, faz peso e não nos damos conta disso. Lembre-se lá do pátio da infância, como era fácil ser feliz quando éramos crianças.

Juntávamos uma porção de quinquilharias, jogava pinica com a garotada, trocava figurinhas de jogadores da época, ralhavam os joelhos, na tentativa de aprender a andar com a sua “Caloi” a sensação do momento, e hoje em dia, sonha com o “Carrão do ano”, para conquistar a “mulherada”, por pura exibição e massagem no ego.

Vestia-se com as roupas da irmã mais velha, compradas em alguma loja que vendia,
“a quilo” ou em promoções, adquiria-se uma peça e levava duas, pelo mesmo preço de barbada, e na sua sã concepção parecia estar desfilando na passarela do “Fashion Week” ao lado do Gianecchini.

Na atualidade, compramos futilidades, para preencher o grande vazio da alma, pagamos um alto preço nas etiquetas, por modismo barato e sem nexo e continuamos ocos por dentro, buscando substituir em coisas materiais, para amenizar as frustrações do acaso.

E tudo era maravilhoso, como achar uma agulha no palheiro, para poder costurar o casaco rasgado. E quando estávam “apaixonados”, que beleza, não é mesmo, ganhar um sorriso, faltando “aquele dente de leite” da frente, era o mesmo, que acertar na loteria esportiva sozinho.

E quando a mamãe esquecia que já estava escuro, e as brincadeiras se prolongavam até mais tarde, e pra você nunca era tarde, para dar continuidade nos seus projetos importantes. E cansado, adormecia, sem tomar banho, e tudo lhe cheirava bem.

Sem reclamar da vida, avistavam novas perspectivas, num simples gesto, no partilhar de um pedaço de bolo de fubá feito pela vovó, do qual na época você achava “um manjar dos deuses” e hoje no mais sofisticado prato, disfarça que era tudo que queria degustar. Afinal é chique comer pouco, e tomar chá às cinco horas, numa pontualidade britânica de dar inveja.

Lembra-se, quando apanhava frutas na cerca vizinha, e tinha o doce sabor da simplicidade nas mãos, e era feliz, sem questionar tanto a vida, sem reclamar de pequenos detalhes, das contas á pagarem, graças aqueles que as tem, significa que está prosperando e levando a vida adiante.

E nos damos conta que a única herança que podemos deixar, é as palavras concisas na hora certa, o silêncio precioso, quando o outro fala, a humildade de aceitar o que no momento não pode ser mudado e viver feliz com aqueles e com aquilo que se tem de concreto nas mãos.

A vida é bela, para todo aquele que, não perdeu a doçura da infância, faz de pequenos momentos, grandes acontecimentos.

A vida lhe sorri hoje, abra as janelas!

09.07.2009

Saudade, em voz poética...





Saudade, em voz poética...
Águida Hettwer


O amanhã nos adverte que a comédia da vida explorada, está apenas ensaiando o capítulo. No silêncio que medita, não falsifica a história pelos avessos, relata de cara lavada, sem atenuar as marcas, sem fechar a porta para o passado.

Onde os anseios, nos acordam com volúpia, e assim enrodilhados no poncho dos sonhos, nos descobrimos “gente”. Soltando o verbo imperfeito, no sopro de lirismo ganha força, amenizando as dores da alma em voz poética.


Sem pedir benção, adentra a casa e faz morada, passional, não admite 3° pessoa no plural. Cativa para si à profecia, de um amor na íntegra, sem partilha de sentimentos a alheios. Sonda as entranhas, exprime em lágrimas, em saudade derrama-se.


A falta corrói pelas beiradas, risca na pele com giz de cera, faz do corpo, um porto de sensações, transcende a naturalidade dos fatos. Vira notícia, na primeira página, num discurso de linguagem nata. Agarra-se nas tranças do vento, eleva o sentimento aos céus.


Em desfecho editado na alma, sem aliviar a carga dramática, toma o rumo do coração. Persuadindo a ciência, conversa com o espírito em interação, num espiral de palavras profusas. E as dúvidas sejam as certezas do amanhã.

Despede-se a ansiedade, no abraço que envolve, nas carícias de perder o juízo, na voz embargada de saudade, murcharam as dores, despertaram sorrisos.



13.07.2009

No chão da memória





No chão da memória
Águida Hettwer


Quanto mais fujo das lembranças, mais elas me perseguem nas esquinas da memória. Meu olfato atiça num chiar da chaleira, no aroma roçando a campina, embrenhando-se num céu azul de anil. Retorno sempre no primeiro ponto, aonde balançam os dourados trigais de Horizontina.

A terra vermelha encardiu minh´alma, aqueço-me ao redor do fogão à lenha, até as brasas, atingirem as cinzas. As letras brincam de boneca, com os amigos de infância, correm pela rua, atrás de vaga-lumes, rolam-se na grama, conversam entre si em plena sintonia.

O inverno chega mais cedo na infância, escrevo sob a película de geada no pára-brisa dos carros, as folhas cor de sépia forram o chão, arrastam os anseios, feito pássaros libertos de gaiolas. As portas das casas não têm tramelas, a passagem é livre, sento-me na cadeira de balanço de antepassados, concentrada ouvindo histórias.

No birô da memória, os livros têm cheiro de folha de laranjeira, nas páginas brotam sonhos, expondo das raízes ao caule. Como se a vida estivesse embrulhada em papel presente, e ao receber, rasgasse com avidez, em declaração de fé anunciada.

A alma cultua gestos simples, por mais que a vida esteja exposta às intempéries, as letras me proporcionam brincar no parque da infância, vozes, risos e palmas são misturados. Rangendo balanços de esperança, de uma geração futura, menos cibernética, e mais atuante.

As vestes guardam a poeira das brincadeiras, no chão da minha memória, permanecem os farelos de pão. Aonde somente é varrida a rotina, as histórias ficam.


17.07.2009

Genuína amizade





Genuína amizade
Águida Hettwer

Quando se tem amigos, as palavras não se perdem no silêncio, na geografia da alma sempre tem espaço para mais um. Vozes gêmeas entoam canções, embalando sonhos. Mãos entrelaçam pela mesma causa, e corações pulsam no mesmo ritmo.

A amizade cultua gestos delicados, empresta o ombro, doa-se um colo a quem precisa. Acalenta as dores, no calor de um abraço, seca as lágrimas, com clareza conduz ao caminho certeiro, mostrando as flores e os espinhos. Admoestando com amor, revelando a verdade, apontando soluções.

A genuína amizade, incentiva, estimula e vibra, senta-se na primeira fileira para aplaudir de pé as vitórias e conquistas dos amigos. No corredor do pensamento, os amigos emolduram cenas juntos, cativam momentos onde o tempo, não consegue separar.

Nas amizades os desacertos, implicam a nós, exercitarmos afeto, paciência e companheirismo. Quem nunca disse um “sim” a um amigo, querendo dizer “não”. No manto da amizade, mistura-se estabilidade com ansiedade, faz reboliço com os sentimentos, traz calmaria ao estender as mãos.

Na pupila da amizade, amenizam as falhas, acentuam-se as virtudes, deita-se em tapete de cumplicidade, alarga-se compreensão. Guardam-se segredos na alma, desvendam-se mensagens subliminares, deixadas no olhar.
Do silêncio faz-se o grito, do riso partilhado se faz procissão.


As amizades não morrem... Apenas, alçam voo para rumos diferentes.


20.07.2009